Com os recursos da ciência e da tecnologia encurtam-se as distâncias, há trocas constantes de conhecimentos, de hábitos culturais, de maneiras de pensar e de trabalhar. A globalização e a cultura da informação aliam-se e exigem polivalência de atitudes, de conhecimentos, de intelecto.
Tudo muda muito rapidamente, então, a escola também precisa mudar, mas enfrentar mudanças, arrumar a casa significa mexer em lugares, em coisas e até mesmo mexer com pessoas. Mudar é sinônimo de transformar, deslocar, converter, substituir, variar, modificar, inovar e, por vezes, divergir - ISTO INCOMODA, mas quando é preciso e urgente, há que se enfrentar e mudar. Por quê? Para quê?
Para atender aos desafios da sociedade, que hoje exige, por exemplo, que a escola conscientize o indivíduo de que sua educação deverá ser educação permanente, uma escola que proporcione a seu aluno uma formação abrangente, uma educação que se volte para a criatividade, para a invenção, para a reflexão, para a formação da cidadania, para uma visão holística do mundo e de si mesmo. Então há uma saída: a promoção das mudanças de paradigmas.
Um dos paradigmas que necessita urgentemente sofrer profundas mudanças é o poder advindo dos cânones escolares, reprisados por seus professores, por suas maneiras de ministar aulas, por suas regras impositivas, por suas formas de avaliação e por sua condução da transferência e troca dos saberes, do conhecimento.
Na escola, cabe ao professor saber lidar com o poder que lhe é conferido pelo sistema educacional, para que em qualquer nível de ensino, a educação esteja voltada para a aprendizagem e não para o adestramento do indivíduo.
O saber é uma arma
Quando colocada em mãos ou em cabeças despreparadas, a detenção do saber pode ser uma grande arma, pois transformar-se em sinônimo de poder, e um desses poderes é conferido à escola (referimo-nos ao conceito tradicional) na qual o saber, transformado em poder, se manifesta muito claramente, pois é nela que se encontram dois seres estranhos e, a partir daí, um irá mandar, o outro; obedecer, um irá ensinar, o outro; aprender.
São muitos os caminhos e lugares por onde o saber se forma, se reproduz., também são muitos os donatários do saber, e, entre eles , está o professor, Em casa, na escola, na rua constata-se que a vida é um constante aprendizado; ninguém escapa à educação, e junto com ela várias formas de poder se manifestam. Então, como lidar com esta faceta da educação?.
A palavra escola que traz em sua raiz grega [skolé,ês] o sentido de liberdade e tem como uma de suas significações "Ocupação voluntária de quem, por ser livre, não é obrigado a.", é também o lugar em que acontece a tensão entre a fomentação do desejo de liberdade e a necessidade da manutenção de valores; entre a inevitabilidade da troca de paradigmas e da preservação de modelos estabelecidos, entre a conservação de regras [antigas ou modernas] e o apelo para que ela seja uma fonte inesgotável de novas descobertas e de elementos motivadores, através dos quais o aprendiz possa buscar novos caminhos por onde prosseguirá como sujeito de sua própria existência, onde o tempo não tenha somente a significação cronológica [kronós] e sim deverá manifestar-se como aquele que permite ao homem ser sujeito de sua história, [kairós], uma vez que qualquer tempo é o tempo de criar e de aprender.
Assim sendo, urge dar à escola novos rumos, é preciso ousar, criar, recriar, aproveitar o que há de bom em modelos antigos, é imprescindível que se dê nova roupagem ao binômio ensino - aprendizagem, para que o poder, mesmo que este não seja totalmente destituído de seu papel, deixe ao saber o lugar que lhe é de direito, deste modo, do ensino fundamental à pós-graduação, respeitando cada fase do processo educacional, o perfil do professor deverá retratar a imagem daquele que não se deixa envolver pela vaidade, mãe de toda a forma de poder, institucionalizado ou não, pois como nos mostra Paulo Freire, "Ninguém é sujeito da autonomia de ninguém...", seja o sujeito uma criança, um adulto, esteja ele no maternal ou na pós-graduação.
Manipulação
Para evitar que se manipulem falas, normas e pensamentos, por meio dos quais o poder se mostra por discursos impositivos, traduzidos por comportamentos autoritários, onde o professor parece "pensar" pelo aluno, tendo para ele todas as respostas, Moacir Gadotti recomenda a pedagogia do conflito no lugar da pedagogia do diálogo, como forma de desconstrução de imagens ideologicamente construídas as quais dão ao poder a forma de diálogo e de aproximação entre os pares do discurso, imagem perfeita para a instalação de mandos e desmandos no âmbito escolar.
Se a transmissão de conhecimentos aponta para a participação, a troca, a motivação, e se a educação é um elemento transformador do indivíduo e da sociedade, como podemos aceitar que o professor de qualquer nível continue a ser o magister-dixit, o senhor absoluto do conhecimento, que lida com a educação sem respeitar o saber alheio, sem aceitar os seus próprios limites e o de seus alunos, sem contextualizar indivíduo, tempo e história?
No desenho animado proposto como ponto de partida de nosso estudo {módulo II - Transmissão de Conhecimento}, encontramos retratos da condução inadequada de transmissão de conhecimentos, facetas do poder conferido à educação e ao corpo docente e do emprego da repetição de paradigmas, que não deveriam ser reprisados.
Num primeiro momento do desenho, vamos encontrar dois professores que reprisam comportamentos e paradigmas e sua forma de conduzir o grupo [alunos em sala de aula] desenha o retrato de uma equipe indiferente às aulas e ao professor e, num outro foco, encontramos um professor que foge de paradigmas improdutivos e cria, usa métodos e metodologias motivadores e ousados que levam os alunos à participação responsável e ao aprendizado autônomo, consciente, de forma lúdica e agradável.
É destas formas motivadoras da aprendizagem e de professores que busquem ser facilitadores no processo ensino- aprendizagem, que a escola precisa para que novos paradigmas educacionais venham a fazer a intertextualidade entre os objetos (saberes, conhecimentos, responsabilidades) e os sujeitos (facilitadores e aprendizes), promovendo a interação entre ambos, para que expectativas, realizações, dúvidas, sejam compartilhadas pelos sujeitos participantes da construção do saber.
Neste processo ambivalente, cabe ao professor acompanhar o aluno , estimulando-o na aquisição de novos conhecimentos, motivando-o a vencer novos desafios, a fim de que venha a ser um indivíduo competitivo e autônomo, que seja capaz de organizar seu mundo e nele atuar, desenvolvendo formas de auto-aprendizagem e de sociabilidade, pois somente por intermédio da quebra de paradigmas, que ainda hoje são considerados pilares da educação, haverá a divisão de responsabilidades e da participação operante de ambos: professor e aluno, destituindo ao máximo possível o poder instituído, fazendo nascer parcerias, sem, no entanto, anular hierarquias.
Uma marca representativa da escola é que ela é lugar de passagem, ao contrário da visão relativa à aprendizagem que se estabelece como permanente, sendo sempre força inovadora, como nos mostra Pedro Demo na seguinte passagem: "Aprender não é - de modo nenhum - manejar certezas, mas trabalhar com inteligência as incertezas, porquanto, sendo função vital, tão vital que se confunde com a vida, não poderia fantasiar propostas contraditórias com a criatividade e com a fragilidade da vida" (.DEMO, p. 11) e por isso, a escola que se julga dona de todos os saberes, deve ter como meta, cada vez mais, a aplicação da pedagogia crítica ..
Sabendo-se que o sistema educacional não conseguirá afastar-se de modo totalizante das ideologias vigentes e, por extensão, das formas dominantes de poder, cabe à escola e a seus partícipes submeterem-se ao poder sem a este render-se em total subserviência, para tal, a escola deverá enfrentar os desafios propostos pelas mudanças histórico- sociais, estar atenta aos anseios de cada comunidade e de suas diferenças, considerar peculiaridades individuais, suas necessidades e apelos, numa tentativa de que assim os atores deste palco [ou pelo menos parte deles] possam melhor representá-la, criando paradigmas, em crise ou não, mas que possam causar revoluções, abrindo novas perspectivas à educação, ainda que sejam chamados de rebeldes, pois como dizem SULLOWAY e HOOKS: "A educação precisa formar rebeldes" (Sulloway,1997; Hooks,1994).
Seguindo o que nos mostra Luckesi, "No processo de ensino e aprendizagem, o educando será posto em contato com o saber já elaborado", e ainda segundo este autor: "Ele estará recebendo a compreensão da realidade exposta, porém, ao mesmo tempo, estará articulando o conteúdo exposto com a sua experiência de vida", o filme "Sociedade dos Poetas Mortos", .de certa forma, ratifica estas afirmativas, quando mostra alunos colocados à prova, estimulados a enfrentar novos desafios, necessitando, deste modo, colocar em prática suas experiências e a desenvolver outras, a desafiar diversas faces de poder, estejam estes dentro e fora dos muros escolares.
A quebra de paradigmas é promovida por um professor que acredita na educação como caminho de liberdade e libertação, por onde o indivíduo deverá seguir, acoplando os ensinamentos escolares aos conhecimentos vinculados às experiências de vida (a participação na sociedade; sua vivência como aluno da instituição), assim, seus depoimentos sobre a vida aliados aos ensinamentos acadêmicos deverão promover nestes aprendizes a reflexão sobre o mundo e sobre si mesmo, afastando a educação da representação de um papel meramente pragmático e utilitário.
No filme, para que os objetivos sejam alcançados, professor e alunos precisam usar a criatividade, precisam (re)inventar; professor e alunos precisam demolir modelos para reconstruir heranças culturais e todos correm riscos, mas são a empatia, a ética, a afetividade, o respeito aos limites, o saber ouvir e saber falar e o uso da razão aliada à emoção, que comandam a integração e a interação de forças e atitudes que irão mudar para a sempre a vida daqueles jovens.
O final do filme aponta para a dificuldade em se quebrar paradigmas, em se enfrentar poder e poderosos, no entanto, ressalta também que a semente plantada pelo professor germinou, num primeiro momento, sobre carteiras, uma vez que as receitas prontas da educação foram abandonadas, dando lugar à valoração do indivíduo, das experiências e dos experimentos intra e extra classes, sem no entanto abandonar regras básicas de convivência, a disciplina e o respeito mútuo de que precisamos para (con)viver em sociedade, mesmo que esta seja aquela dos poetas mortos.
A definição de Luckesi sobre a criatividade serve para ilustrar o que ocorre com estes alunos e as limitações impostas pelo poder da instituição, do sistema educacional e por seus professores, quando todos são postos à prova, observemos: "A criatividade não é pura espontaneidade. Para haver criação, há que se ter um suporte nas capacidades desenvolvidas e, para tanto, a assimilação da herança cultural é importante; ela é um dos veículos de desenvolvimento das faculdades mentais superiores e das convicções. A inventividade necessita da espontaneidade e do risco ,mas também de fundamentos, de desenvolvimento mental, afetivo e intuitivo, que possibilitem fazer emergir a invenção."[3] * [1,2,3 = LUCKESI, 1999.
Em meio a espaços vazios [molduras sem imagens (desenho) ou retratos em que todos já estão mortos (filme)], o desenho de uma pequena e enegrecida "porta", onde se pode ver uma apertadíssima saída, faz parceria com corredores soturnos, por onde alunos e espectros vagueiam (filme), são estes símbolos que nos revelam a escola brasileira de hoje.
As muitas representações de mundo têm chegado até a escola por entradas também estreitas, difíceis e escuras, e muitos espaços continuam vazios, sem finalidade, sem objetivo, sem aplicação. Então, se a entrada é apertada, os vazios dominam espaços que deveriam estar preenchidos, onde está a saída para que a escola possa, por meio do estabelecimento da ordenação de seu próprio mundo, alcançar o lugar por ela desejado, no qual os saberes devem prevalecer, e não o poder, esta forma absoluta que tende a desqualificar o homem como sujeito da aprendizagem, colocando-o como marionete desinteressada em participar da transmissão de conhecimentos?
Acreditamos que somente com a mudança de padrões de comportamento, mudança de regras e aceitação de novas abordagens didático- pedagógicas os vazios, gradativamente, venham a ser preenchidos por novas e boas propostas educacionais, com todos os cidadãos tendo chances iguais para a permanência numa escola, em que as portas de entrada e de saída estarão permanentemente abertas para o que vier e para quem vier e que a trilogia: ação - reflexão- (re)ação permita a professores e alunos, por meio da observação, análise e aquisição de novos conhecimentos, vencer desafios, para que tenhamos "uma educação que permita, vivendo e aprendendo, saber por que se vive e por que se aprende." (Freire, 1987).
Parcerias
Definido por este excesso de limites e de intromissão, o poder surge, ao mesmo tempo, como realidade de encantamento, que serve para abrandar carências e confirmar desejos; juntando-se ao saber, torna-se realidade que pretende mostrar-se inabalável, não permitindo que seus cânones sejam ignorados, enquanto suas ditaduras, escamoteadas por ações autênticas e chanceladas socialmente , são encenadas e ensinadas, assim a criação, formação e aplicação de poderes e saberes engendram-se como a única forma de completude do ser inacabado, de que nos fala Pierre Furter: "...o homem é um ser que aparece, no mundo, imperfeito, inacabado, cujo destino é, pela sua história pessoal ascender à plenitude. A educação é necessária porque ele é um ser de carência". (FURTER, 1976, p.70).
Para que no processo educacional haja lugar para a socialização, para o desenvolvimento cultural, para as experimentações, e que as emoções não sejam afastadas das experiências da razão; para que a escola não prossiga transmitindo conceitos desvinculados da vida, o sistema educacional necessita equilibrar as relações entre o poder e o saber, não fazendo deste embate um cabo-de-guerra, assim a escola será sempre um lugar de encontro, onde todos se respeitam e que nela não haja espaço para submissão de parte alguma.
Deixando para trás imagens indecisas e prenhes de generalidades vagas e esquematicamente alegóricas do saber como poder [ou vice-versa], alguns caminhos podem ser abertos pelo olhar de agora que não se mostra comprometido com olhares de outrora, embora não lhes negue os focos de lucidez, para dar lugar a algumas perspectivas que se abrem por meio da aceitação de novos paradigmas, tornando novas aventuras possíveis, como esta de que nos fala Bill Gates: "Os educadores serão facilitadores. O futuro do magistério parece extremamente promissor. Os educadores que trouxerem energia e criatividade para a sua sala de aula prosperarão" (Gates, 1997 p. 31).
Para saber mais:
"História da Educação", Maria Lúcia de Arruda Aranha
"Conhecer e aprender :sabedoria dos limites e desafios", Pedro Demo
"Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa", Paulo Freire
"Educação e Reflexão", Pierre Furter
"Educação e poder: introdução à pedagogia do conflito", Moacir Gadotti
"A Estrada do Futuro", Bill Gates
"Assimilação receptiva de conhecimentos, metodologias e visões de mundo.", Cipriano Luckesi
"O Paradigma Educacional Emergente", M. C. Moraes
|