Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que a intenção deste artigo não é analisar o filme em seus méritos cinematográficos. Tampouco pretende ser uma análise técnica profunda de um filme de animação 3D. O filme é o que se espera de uma produção japonesa de animação, história razoável, boas seqüências de ação e apuro técnico, seja na animação, nos efeitos especiais ou na trilha sonora.
Dito isso, podemos seguir para o que é, para mim, o mérito e talvez a verdadeira novidade de FF VII: sua linguagem. Porque é aqui que ele se destaca e distancia dos demais filmes de animação 3D.
Façamos uma pequena pausa para explicar linguagem: no cinema dito convencional, com atores de carne e osso, a linguagem, o meio como é contada a história, foi herdada do teatro. Mesmo modificada ao longo dos anos para adequar-se ao novo meio (a tela grande do cinema), a linguagem continua em sua essência intacta: é o ator que incorpora o personagem e transmite, com todas as suas expressões (fala, voz, facial, corporal) os sentimentos, pensamentos e ações do personagem.
A linguagem da animação 2D surgiu paralelamente à do cinema: quando se colocaram imagens em movimento, simultaneamente percebeu-se que era possível fazê-lo com desenhos. Mas a linguagem visual da animação desenhada, ao contrário do cinema com atores, vem de outra fonte: a pintura. E com isso, traz consigo outra bagagem: a perspectiva, que "engana" o olhar para fazer um objeto 2D parecer tridimensional, os truques técnicos da animação para simplificar ao máximo o trabalho dos desenhistas sem prejudicar o ritmo visual da história, além de toda a teoria cinemática na qual se baseia para criar movimento a partir de imagens que sozinhas, são estáticas.
Mas você pergunta o que tudo isso tem a ver com FF VII? Bem, tudo. Essa é a grande novidade deste filme: ele combina de forma extremamente interessante a linguagem do cinema com atores vivos e a da animação, criando uma nova opção de linguagem, uma terceira via digamos assim. Podemos ver isso na excelente expressão facial e corporal dos personagens, que às vezes é assustadoramente viva, em contraponto às cenas de ação, visivelmente esquemáticas, demonstrando com isso que sua origem são os videogames.
Há cenas em que um olhar, um movimento de cabeça ou corpo dos personagens nos remete claramente a atores de carne e osso. Outras, como quando os personagens duelam e simultaneamente pilotam motos em alta velocidade, apresentam uma viva relação com a animação 2D: os cabelos, que em uma situação real estariam completamente dominados pelo vento, movem-se apenas com um leve sopro, como uma brisa, num total descompromisso com as leis da física, claramente herdado do cinema de animação. Cinematograficamente, o filme às vezes lembra a ação irreal e plasticamente bela dos filmes chineses; em outras, o drama interior sempre presente no cinema japonês.
E essa é a grande novidade anunciada por FF VII – Advent Children: diferente de outras animações 3D, como por exemplo Toy Story ou Jimmy Neutron, que baseiam toda sua cinematografia na técnica de stop motion (animação com bonecos) para imprimir realidade ao movimento que vemos na tela, Final Fantasy nos oferece uma nova perspectiva que pode se transformar em uma linguagem artística completamente nova: nem cinema convencional de atores nem animação, mas uma surpreendente e cativante mistura de ambos.
Final Fantasy VII: Advent Children (101 min)
Direção: Tetsuya Nomura e Takeshi Nozue (co-diretor) Produção: Square Enix
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