Muita gente vai achar estranho tanto trabalho para fazer uma simples torta de queijo, ou cheesecake como é conhecido. Mas a essas pessoas, eu respondo: não é um cheesecake qualquer! Para início de conversa ao pé do fogão, nem mesmo é um cheesecake, mas um Keis Küchen (em íidiche, bolo de queijo), sabor amado de momentos mágicos de infância na casa da avó que sempre tinha uma guloseima no forno e balas de leite da Kopenhagen na bombonière. Por que essa receita é tão especial, perguntaria você? Porque não existe! Vovó Clara era TOTALMENTE (assim mesmo, em maiúsculas) avessa a receitas: ela só preparava a comida sem medir nada, "na orelhada", como dizia a minha mãe. Aliás, minha avó Lola, a materna, fazia a mesmíssima coisa, o que me faz concluir que as mulheres européias da geração anterior à 2a Guerra Mundial traziam seus livros de receita completamente na memória. Assim eu, 2a geração nascida aqui no Brasil, um dia (acho que aos 14 ou 15 anos de idade) resolvi aprender com minha avó a receita de Keis Küchen, palavra mágica por toda a família, pois é um bolo de queijo em duas camadas (semelhante ao cheesecake) molhadinho, com passas, feito com ricota. Que aliás, não era uma ricota qualquer, dessas que se compra no supermercado, e que às vezes até está boa, outras vezes intragável de tão seca e sem gosto. Não. A ricota da vovó era feita por ela mesma, então o bolo levava simplesmente uns 8 dias para ficar pronto, pois era esse o tempo necessário para talhar o leite, deixar coalhar, colocar no lenço e deixar pingando na torneira até se transformar em uma ricota que era comer um pedaço para cair de joelhos: cremosa, aerada, saborosa, e que dava um toque especial à receita. Assisti a tudo, firme e forte, de caneta e bloco anotando cada detalhe. Só que na primeira e única vez que tentei reproduzir, uns 7 ou 8 anos depois, não tive tempo de fazer o queijo do zero (quem tem, hoje em dia?) e comprei uma ricota pronta no supermercado. Gente, que decepção! Daí desisti de tentar novamente, achando que não tinha jeito. Até que alguns anos depois uma conhecida me deu o toque: bater a ricota com cream cheese no mixer para ficar exatamente com a textura do queijo da vovó e seguir a receita... receita? Onde foi mesmo que eu guardei o papel onde tinha anotado a receita? E assim retornamos a 2010, quando um dia de bobeira na Internet dei de cara com uma receita de "torta de ricota" que parecia MUUUUITO com a receita da minha avó. Que com algumas alterações para ficar exatamente no ponto, virou isso aqui: Keis Küchen (d'après D. Clara, mas com um toque de 2010): Massa: - 1 e 1/2 xícaras farinha de trigo
- 1/2 xícara de açúcar
- 2 colheres de sopa de fermento em pó
- 2 colheres de sopa de manteiga ou margarina (eu raramente uso manteiga)
- 2 gemas*
Recheio: - 1 queijo ricota pequeno inteiro, normalmente têm de 300 a 350g (se tiver menos de 340g, não adicione as 2 colheres de sopa de açúcar)
- 1 pote de cream cheese (cerca de 200 g)
- 2 colheres de creme de leite
- 1 colher de sopa (rasa) de farinha de trigo
- 1/2 xícara + 2 colheres de sopa de açúcar
- 100g de passas sem sementes
- 1 pitada de canela
- algumas gotas de baunilha
- 1 gema
- 1 clara batida em neve
Modo de fazer: Misture os ingredientes da massa até formar uma massa lisa e forre uma forma de fundo removível (cerca de 22 cm) com ela. Reserve. Bata a ricota e o cream cheese na batedeira ou mixer, até ficar bem aerado. Misture o açúcar, o creme de leite, a farinha de trigo, a gema, a canela e a baunilha. Bata as claras em neve e incorpore cuidadosamente, para fazer um creme bem aerado. Adicione as passas e misture levemente. Derrame sobre a massa e leve ao forno quente. A torta estará pronta quando puder espetar um palito e sair seco (fica levemente dourada). É isso aí, gente. Para comer rezando, feliz da vida. * Se você chegou até aqui, a dica e os próximos capítulos: guarde as claras que você separou no freezer. Quando juntar 6 claras, use para preparar um delicioso pudim de claras com calda de café. A receita eu dou depois... |